De um colchão feito com garrafas de plástico a peças de cerâmica produzida através de ondas sonoras, a fileira da casa portuguesa continua a inovar e a dar cartas no mercado internacional.
Peças de cerâmicas criadas a partir de ondas sonoras, um colchão feito com garrafas recicladas e artigos desenvolvidos a partir de desperdícios têxteis foram algumas das inovações que o ECO/Local Online encontrou na terceira edição da Portugal Home Week, que reuniu meia centena de empresas portuguesas na Alfândega do Porto e recebeu mais de mil visitantes.
As indústrias da fileira casa portuguesa correspondem a 4,5% do total das exportações portuguesas, englobando cerca de 60 mil trabalhadores e mais de 7.500 empresas que geram um volume de negócios de 3,3 mil milhões de euros. Apesar da inflação, as empresas da fileira casa registaram o melhor ano de sempre em 2022, com cerca de dois mil milhões de euros em vendas e superando em 8% os valores recorde de 2019, as exportações continuam a crescer e a expectativa é que superem os 2,2 mil milhões de euros no final de 2023.
A empresa de cerâmica S. Bernardo de Alcobaça aproveitou a Portugal Home Week para apresentar ao público a marca Claraval, trazendo inovação ao setor. As peças de cerâmica são criadas a partir de ondas sonoras, ou seja, é usado um equipamento que capta as frequências sonorosas que, posteriormente, dão origem a formas. Resumindo, é a sonoridade que cria o design. A inovação pertence ao designer britânico Mark Lloyd que fez uma parceria com a empresa portuguesa. “Mark Lloyd concebeu um software com base num algoritmo que trabalha os sons que vão dar forma às peças”, detalha Elsa Almeida, CEO da Perpetua Pereira e Almeida.
Uma das coleções, intitulada de “Mosteiro“, é feita a partir de ondas sonoras de músicas cantadas no Mosteiro de Alcobaça pela vocalista dos The Gift, Sónia Tavares, que é natural de Alcobaça. Numa fase inicial as peças são impressas em 3D e depois são produzidas na unidade fabril da empresa. A empresa apresentou ainda protótipos de uma nova coleção alusiva ao Porto através de sons da água da foz do Douro. Para Gualter Morgado, este exemplo é a prova viva de que a “criatividade dos portugueses não tem limites”. Elsa Almeida remata que “a pedra angular da empresa sempre foi e continuará a ser o design, a inovação e a criatividade”, conta ao ECO.
As peças estão à venda ao público na Loja do Mosteiro de Alcobaça e custam cerca de 250 euros. “O objetivo é expandir a marca a nível internacional”, diz a gestora. A primeira encomenda da marca Claraval já chegou à Arménia.
A empresa Perpetua Pereira e Almeida tem dez anos e nasceu para dar continuidade à empresa Cerâmicas S. Bernardo, que estava em processo de insolvência. Elsa Almeida (era diretora financeira da S. Bernardo), juntamente com Fernando Perpétua (engenheiro cerâmico) e Jorge Horta (modelação) uniram-se para dar uma segunda vida à empresa. Atualmente emprega 70 pessoas, fatura 2,5 milhões de euros e exporta 99% da produção para mercados como EUA, França, Inglaterra, Itália, entre muitos outros.
A Portugal Home Week recebeu visitantes dos EUA, Canada, França, Espanha, Reino Unido, Alemanha, Áustria, Bélgica e também dos países nórdicos. “Desta vez triplicamos o número de visitantes internacionais em comparação com as outras duas edições. Metade dos visitantes são estrangeiros”, conta ao ECO o diretor executivo da Associação Portuguesa das Indústrias de Mobiliário e Afins (APIMA), Gualter Morgado.
Para o responsável, o número de visitantes estrangeiros é sinónimo do interesse dos mercados externos na produção portuguesa da fileira da casa. “Estamos ao nível dos melhores do mundo e dentro do público internacional profissional e somos reconhecidos como um dos melhores produtores do mundo. Há cinco anos, as marcas escondiam que os produtos eram feitos em Portugal. Hoje, fazem questão de destacar que é português, até para justificar que vão vender mais caro”, destaca Gualter Morgado.
A Colmol, empresa de Oliveira de Azeméis que fabrica colchões e que conta com 51 anos de experiência, está a apostar na economia circular e tem no seu portefólio um colchão feito com garrafas recicláveis chamado Planet. Para o revestimento de um colchão de 140 por 190 centímetros, são necessárias, em média, 30 garrafas de meio litro. Fátima Andrade, do departamento de comunicação e marketing da Colmol, explicou que “as garrafas de plástico são transformadas em malha e a partir da malha é feito o tecido”. Com este colchão feito a partir de garrafas de plástico recicladas, a empresa venceu o prémio de inovação na feira de Xangai em 2019. O colchão custa 799 euros e é o mais vendido.
A Colmol tem uma capacidade de produção diária que varia entre os 400 e 500 colchões. A empresa familiar emprega 65 pessoas, fatura nove milhões e exporta 80% da produção para mercados como Espanha, França, Bélgica, Vietname.
Dar vida a novos produtos através dos desperdícios
Gualter Morgado, diretor executivo da APIMA, destaca que “Portugal é dos países europeus com menor desperdício na indústria” e que tem um “desperdício inferior a 7% de todos os recursos que utiliza”. Exemplifica que até os 7% “que são considerados lixos” estão a ser reaproveitados através do projeto re.store. O evento foi organizado pela associação.
A marca re.store assume-se como marca amiga das pessoas e do planeta. Todos os produtos são feitos com o desperdício da indústria têxtil e a produção é feita por parceiros sociais. A empresa, em pouco mais de dois anos de existência, já reaproveitou mais de cinco toneladas de tecido. Através do reaproveitamento nascem produtos como sacos de compras, sacos de praia, bolsas de necessaire, discos de limpeza facial, almofadas, estojos multiusos, entre muitos outros. Um saco de compras custa cerca de 6,95 euros, enquanto um saco de praia pode custar entre 11,95 e 18,95 euros.
O tecido dos produtos é reutilizado a partir dos desperdícios dos processos de produção de empresas de têxteis-lar, enquanto a etiqueta da marca é feita com fios de poliéster reciclados.
“De uma forma muito prática, pegamos no lixo do têxtil e transformamos em produtos funcionais. Para além de reduzir a pegada ecológica da têxtil, aliamos a questão social. Todos os nossos produtos sem exceção são confecionados por IPSS, associações que ajudam a integrar refugiados, entre muito outros”, realça Sílvia Correia, fundadora da re.store, que conta com mais de duas décadas de experiência no cluster. A re.store paga aos parceiros sociais até 2,5 euros por produto e, até hoje, já pagou aos parceiros sociais cerca de 51 mil euros. “Pagamos em média aos parceiros sociais cerca de 20% do valor da peça, em alguns casos até é superior”, diz a fundadora da re.store.
A re.store tem, inclusivamente, um saco feito com desperdícios da Colmol. “A empresa tem restos de corte e desperdícios dos tecidos dos colchões que nós estamos a transformar, por exemplo, num saco de praia”, detalha Sílvia Correia.
Do reaproveitamento às obras de arte, o ECO encontrou na Portugal Home Week a Serip, que desenvolve esculturas inspiradas na natureza. Com um stand bastante apelativo e que não passava despercebido, a empresa da Amadora, que nasceu em 1961, viajou até à Invicta para mostrar algumas das criações. Para Mário Pires, diretor comercial, a presença na feira foi “positiva” e só no primeiro dia identificaram cerca de 30 potenciais clientes.
As peças de iluminação expostas custam entre os cinco e os 25 mil euros. “Temos peças de valor acrescentado que podem chegar aos 200 mil euros”, realça Mário Pires, que pertence à segunda geração e trabalha na empresa desde os 14 anos.
No processo de produção são utilizadas técnicas ancestrais. “Todas as feitas são feitas à mão e não há duas peças iguais. As pessoas têm uma visão do nosso produto decorativo. São peças feitas em bronze com vidro feito à mão. A Serip emprega 76 pessoas, exporta 98% da produção para 90 países, tem um volume de negócios de oito milhões de euros e conta com 13 franchisados.
O diretor comercial afirma com orgulho que a Serip foi a primeira empresa portuguesa a abrir uma loja na Indonésia, em 2011. Em setembro vão abrir duas lojas na África (Marrocos) e Dubai.
Inflação prejudica crescimento das empresas
A inflação é uma pedra no sapato do tecido industrial. Para Mário Pires, diretor comercial da Serip, “a inflação veio quebrar a operacionalidade”. “Como está tudo inflacionado, estar presente numa feira neste momento fica pelo dobro ou triplo do preço, o que é extremamente prejudicial para o tecido industrial”, destaca o gestor.
Pedro Duarte, CEO da empresa, que pertence à segunda geração, corrobora a ideia de Mário Pires e afirma que a “inflação é prejudicial porque as pessoas têm menos disponibilidade económica e têm dificuldades em adquirir produtos com melhor posicionamento”. Dito isto, o CEO da empresa de Oliveira de Azeméis espera que a inflação estabilize para que as pessoas voltem a ter capacidade de “comprar produtos melhores e mais confortáveis para as noites de sono”.
Fonte: Fátima Castro, ECO / PortugalGlobal